O Crime do Padre Amaro - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 87 / 478

- Tonta de rapariga! pensou Amaro, foi à fonte e esqueceu-se de fechar a porta.

Lembrou-se que Amélia tinha ido passar a tarde com a Sra. D. Joaquina Gansoso, numa fazenda ao pé da Piedade, e que a S. Joaneira falara em ir à irmã do cônego. Fechou devagar a cancela, subiu à cozinha a acender o seu candeeiro; como as ruas estavam molhadas da chuva da manhã, trazia ainda galochas de borracha; os seus passos não faziam rumor no soalho; ao passar diante da sala de jantar sentiu no quarto da S. Joaneira, através do reposteiro de chita, uma tosse grossa; surpreendido, afastou sutilmente um lado do reposteiro, e pela porta entreaberta espreitou. - Oh Deus de Misericórdia! a S. Joaneira, em saia branca, atacava o colete; e, sentado à beira da cama, em mangas de camisa, o cônego Dias resfolegava grosso!

Amaro desceu, colado ao corrimão, fechou muito devagarinho a porta, e foi ao acaso para os lados da Sé. O céu enevoara-se, leves gotas de chuva caíam.

- E esta! E esta! dizia ele assombrado.

Nunca suspeitara um tal escândalo! A S. Joaneira, a pachorrenta S. Joaneira! O cônego, seu mestre de Moral! E era um velho, sem os ímpetos do sangue novo, já na paz que lhe deveriam ter dado a idade, a nutrição, as dignidades eclesiásticas! Que faria então um homem novo e forte, que sente uma vida abundante no fundo das suas veias reclamar e arder!... Era, pois, verdade o que se cochichava no seminário, o que lhe dizia o velho padre Sequeira, cinquenta anos padre da Gralheira: - "Todos são do mesmo barro!" Todos são do mesmo barro, - sobem em dignidades, entram nos cabidos, regem os seminários, dirigem as consciências envoltos em Deus como numa absolvição permanente, e têm no entanto, numa viela, uma mulher pacata e gorda, em casa de quem vão repousar das atitudes devotas e da austeridade do ofício, fumando cigarros de estanco e palpando uns braços rechonchudos!





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