sem audácia, sem panache - é lá um aviador!... Não passa de um soldado que deserta às primeiras balas!... Um aviador sem a sua companheira vestida de negro, toucada de luto ao seu lado, ao lado do seu peito, na carlinga?! A Morte!...
A esta ideia, um brando sorriso encheu-lhe novamente o rosto de claridade. Não! ele não a amava... ele não amava a Morte, não!... mas era-lhe indispensável e doce como o mal da saudade, era-lhe precisa ali, ao seu lado, a lutar com ele, enrolando sem descanso o fio da sua vida moça e ébria de audácia entre os seus dedos sem piedade. Era-lhe indispensável, precisava de lhe sentir o hálito gelado, de a sentir debruçada sobre o seu ombro, a arrastá-lo para longínquos e ignotos países de aventura, onde seria bom, talvez, aportar um dia, nervos cansados, cabeça esvaída, braços pendentes na suprema paz dos supremos abandonos...
Dominado por uma invencível obsessão, de novo febril, ansioso, atravessou à pressa as ruas escuras, as ruas solitárias, caminho de casa. Galgou as escadas a quatro e quatro, empurrou a porta de repelão, entrou no quarto, deu volta ao comutador, e o seu olhar foi cair imediatamente, instintivamente, sobre o grande envelope branco lacrado a vermelho vivo.
Abriu a janela de par em par sobre o bulício da rua, e então, serenamente, distraidamente, num ar de quem pensa noutra coisa, foi-se entretendo a lançar ao vento, como quem atira pétalas murchas, os pedaços rasgados dos preciosos papéis que horas antes lá encerrara e que representavam o melhor do seu esforço, o fruto abençoado das suas febres, o triunfo das noites de vigília, as asas do seu sonho feérico, da sua doirada quimera perseguida e vencida!
Foi depois às peças do motor, meteu-as dentro de uma mala.