As Viagens de Gulliver - Cap. 5: Capítulo III Pág. 241 / 339

E perguntou-me se no decurso das minhas viagens ou no meu país não observara esta análoga e generalizada disposição.

Após este preâmbulo, fez-me um relato pormenorizado sobre os struldbruggs. Até aos trinta anos não diferem do resto dos mortais; a partir desta idade começam a sentir-se melancólicos e amargurados de forma crescente até aos oitenta. Sabia estes pormenores por confidências pessoais, uma vez que o seu número é muito escasso para se poder submetê-los a um estudo generalizado (não nascem mais de dois ou três por geração). Ao chegarem aos oitenta anos os naturais do país não ultrapassam essa idade -, já têm todos os achaques físicos e mentais dos anciãos, além dos que derivam da terrível perspectiva de nunca morrerem. Não só são teimosos, mal-humorados, cobiçosos, susceptíveis, vaidosos e tagarelas, mas incapazes de toda a amizade e afecto com os descendentes com grau familiar que transcenda os netos. As paixões dominantes são a inveja e os desejos impossíveis. Os dois pólos principais da inveja residem nos vícios da juventude e na morte dos anciãos. Ao pensar nos primeiros, vêem-se privados de qualquer possibilidade de sentir prazer; e quando contemplam um funeral lamentam-se e gemem, ao observar outros partirem para aquele descanso em paz a que eles jamais terão direito. Não recordam nada senão o que aprenderam ou viram na sua juventude e maturidade, e mesmo assim de modo imperfeito. É mais seguro basear-se na tradição popular que na mais lúcida das suas recordações para averiguar a veracidade ou aprofundar um caso. Os mais afortunados perdem todas as suas faculdades e tornam-se xexés. Estes recebem mais piedade e ajuda, por não terem os numerosos defeitos dos restantes.





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