A Linha de Sombra - Cap. 6: IV Pág. 105 / 155

Encontrava-me, sem dúvida, privado do meu equilíbrio normal, prisioneiro de uma força impulsiva, uma vez que, ao fundo da escada, virei e lancei-me em direcção à porta do camarote de Burns. O seu ar desalinhado sobrepujou a minha desordem mental. Ele estava sentado no beliche, com o corpo parecendo imensamente alongado, a cabeça descaída um pouco para o lado, com uma expressão afectada de complacência. Agitava na mão trémula, na extremidade de um antebraço cujo volume não ultrapassava o de uma bengala, uma tesoura faiscante, tentando com ela, ali debaixo dos meus olhos, cortar o pescoço.

Senti-me quase siderado, mas era só uma espécie de efeito secundário, embora bastante forte para me fazer realmente gritar-lhe qualquer coisa como: «Pare com isso!... Deus do céu!... O que é que o senhor está a fazer?».

Na realidade, Burns estava simplesmente a calcular muito por alto o regresso das suas forças, tentando com pouca firmeza desbastar o espesso matagal das suas barbas ruivas. Tinha uma grande toalha desdobrada por cima do peito, e uma bátega de pêlos hirsutos, que pareciam pedaços de arame acobreado, caía sobre a toalha a cada nova tesourada.

Virou para mim um rosto mais grotesco que toda e qualquer fantasia de todo e qualquer pesadelo, com uma das faces cobertas pelo mato cerrado da barba, lembrando um inchaço de chamas, e a outra nua e encovada, com a tesoura aberta nos dedos. Gritei-lhe a minha descoberta de há pouco, numa voz mal intencionada, em meia dúzia de palavras e sem outro comentário.





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