Não lhe ocorreu ir ver no verso da página. Teria descoberto ali consignado que entre as 4 e as 6 da madrugada do dia 25 de Dezembro o capitão MacWhirr se convencera realmente de que o seu navio não poderia de modo algum sobreviver mais uma hora naquele mar, e de que ele nunca mais voltaria a ver a mulher e os filhos. Ninguém viria a saber disto (as suas cartas extraviavam-se muito depressa) absolutamente ninguém, excepto o camaroteiro, que tinha ficado muitíssimo impressionado com aquela revelação. E de tal maneira que tentou dar ao cozinheiro uma ideia de como «tinham escapado por um triz», afirmando solenemente que:
- O próprio capitão não tinha grande fé nas nossas possibilidades.
- Como é que tu sabes? - perguntou, com desprezo, o cozinheiro, um velho soldado. - Não me queres convencer de que foi ele quem te contou?
- Bem, deu-me a entender - tomou o camaroteiro com desplante.
- Vai-te lixar! Ele daqui a pouco vem cá abaixo contar-me - riu-se o velho cozinheiro, falando por cima do ombro.
A senhora MacWhirr, agora alerta, lançou uma olhadela às páginas seguintes.
… Fiz o que era justo... Miseráveis objectos... Somente três, com uma perna partida cada, e um... Pensei que era melhor guardar segredo do assunto... espero ter feito o que era justo...
Ela deixou cair as mãos. Não: não havia mais nenhuma alusão a regressar a casa. Ele devia ter estado meramente a exprimir um piedoso desejo. O espírito da senhora MacWhirr tranquilizou-se, e um relógio de mármore preto, avaliado por um joalheiro local em 3 libras, 18 xelins e 6 dinheiros, produziu um tiquetaque furtivo.
A porta escancarou-se, e uma jovem naquele período da existência em que as raparigas têm pernas compridas e usam vestidos curtos precipitou-se na sala.