— Grande favor me fareis — tornou o dono do burro — e eu procurarei pagar-vo-lo na mesma moeda.
Com estas circunstâncias todas, e do modo que eu vou contando, o referem os que estão inteirados da verdade deste caso. Enfim, os dois regedores foram a pé até ao monte e, chegando ao sítio onde supuseram encontrar o jumento, não o acharam, nem apareceu em todos aqueles contornos, por mais que o procurassem. Vendo, pois, que não aparecia, disse o regedor, que o encontrara, para o outro:
— Olhai, compadre, lembrei-me agora duma traça, com a qual sem dúvida alguma poderemos descobrir o maldito animal, ainda que esteja metido nas entranhas da terra; e é que eu sei zurrar admiravelmente, e se vós também sabeis alguma coisa, está tudo concluído.
— Alguma coisa, dizeis vós, compadre? — tornou o dono do burro — por Deus, que nisso ninguém se me avantaja, nem os próprios jumentos.
— Agora o veremos — redarguiu o segundo regedor; — ide vós por um lado e eu por outro, de modo que rodeemos todo o monte, e de espaço a espaço zurrareis vós e zurrarei eu, e, se o jumento por cá estiver, decerto nos ouve e nos responde.
— Digo, compadre, que a graça é excelente e digna do vosso grande engenho.
Separaram-se os dois, conforme o combinado, e sucedeu que zurraram quase ao mesmo tempo, e enganado cada um pelo zurro do outro, correram julgando que aparecera o jumento, e, ao encontrarem-se, disse o dono:
— É possível, compadre, que não fosse o meu burro que orneou?
— Fui eu — respondeu o outro.