Amor de Perdição - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 111 / 145

Simão, reconcentrando o indefinível sentimento que esta notícia lhe causara, disse com melancólica pausa:

– É pois certo que a minha má estrela arrasta a sua desgraçada filha a todos os meus abismos! Pobre anjo de caridade, que digna és tu do Céu!

– Que está o senhor aí a pregar? – interrompeu o ferrador. – Parece que ficou a modos de tristonho com a notícia!…

– Senhor João – tornou solenemente o preso – não deixe aqui a sua querida filha. Deixe-ma ver, traga-a consigo uma vez a esta casa; mas não a deixe cá, porque eu não posso tolher o destino de Mariana. Como há-de ela viver no Porto, sozinha, sem conhecer ninguém, bela como ela é, e perseguida como tem de ser?!…

– Perseguida! Tó carocha! Não que ela é mesmo de se lhe dar de que a persigam!… Que vão para lá, mas que deixem as ventas em casa. Meu amigo, as mulheres são como as peras verdes: um homem apalpa-as, e, se o dedo acha duro, deixa-as, e não as come. É como é. A rapariga sai à mãe. Minha mulher, que Deus haja, quando eu lhe andava rentando, dei-lhe um dia um beliscão numa perna. E vai ela põe-se direita comigo, e deu-me dois cascudos nas trombas, que ainda agora os sinto. A Mariana!… Aquilo é da pele de Satanás! Pergunte o senhor, se algum dia falar com aquele fidalguinho Mendes de Viseu, a troçada que ele levou com as rédeas da égua, só por lhe bulir na chinela quando ela estava em cima da burra!

Simão sorriu ao rasgado panegírico da bravura da moça, e orgulhou-se secretamente dos brandos afagos com que ela desvelara em oito meses de quase continuada convivência.

– E vossemecê há-de privar-se da companhia de sua filha? – insistiu o preso.

– Eu lá me arranjarei como puder. Tenho uma cunhada velha e levo-a para mim para me arranjar o caldo. E vossa senhoria pouco tempo aqui estará… O senhor corregedor lá anda a tratar de o pôr na rua, e que o senhor sai, cá para mim são favas contadas. E assim com'assim, vou dizer-lhe tudo duma feita: a rapariga, se eu a não deixasse vir para o Porto, dava um estoiro como uma castanha. Olhe que eu não sou tolo, fidalgo. Que ela tem paixão d'alma por vossa senhoria, isto é tão certo como eu ser João.





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