Amor de Perdição - Cap. 21: Capítulo 21 Pág. 135 / 145

Quando viu, dois a dois, entrarem amarrados, no tombadilho, os condenados, Teresa teve um breve acidente, em que a já frouxa claridade dos olhos se lhe apagou, e as mãos convulsas pareciam querer aferrar a luz fugitiva.

Foi então que Simão Botelho a viu. E ao mesmo tempo atracou à nau um bote em que vinha a pobre de Viseu, chamando Simão. Foi ele ao portaló, e, estendendo o braço à mendiga, recebeu o pacotinho das suas cartas. Reconheceu ele que a primeira não era sua, pela lisura do papel, mas não a abriu.

Ouviu-se a voz de levar âncora e largar amarras. Simão encostou-se à amurada da nau, com os olhos fitos no mirante.

Viu agitar-se um lenço, e ele respondeu com o seu àquele aceno. Desceu a nau ao mar, e passou fronteira ao convento. Distintamente Simão viu um rosto e uns braços suspensos das reixas de ferro; mas não era Teresa aquele rosto: seria antes um cadáver que subiu da clausura ao mirante, com os ossos da cara inçados ainda das herpes da sepultura.

– É Teresa? – perguntou Simão a Mariana.

– É senhor, é ela – disse num afogado gemido a generosa criatura, ouvindo o seu coração dizer-lhe que a alma do condenado iria breve no seguimento daquela por quem se perdera.

De repente aquietou o lenço que se agitava no mirante, e entreviu Simão um movimento impetuoso de alguns braços, e o desaparecimento de Teresa e do vulto de Constança, que ele divisara mais tarde.

A nau parou defronte de Sobreiras. Uma nuvem no horizonte da barra e o súbito encapelamento das ondas causaram a suspensão da viagem anunciada pelo comandante. Em seguida, velejou da Foz uma catraia com o piloto-mor, que mandava lançar ferro até novas ordens. Mais tarde, adiou-se a saída para o dia seguinte.

E, no entanto, Simão Botelho, como o cadáver embalsamado, cujos olhos artificiais rebrilham cravados e imotos num ponto, lá tinha os seus imersos na anterior escuridade do miradouro. Nenhum sinal de vida. E as horas passaram até que o derradeiro raio de sol se apagou nas grades do mosteiro.





Os capítulos deste livro