Amor de Perdição - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 26 / 145

Neste propósito saiu, alugou cavalo, e recolheu a vestir-se de jornada. Já preparado, a cada minuto de espera assomava-se em frenesis. O cavalo demorou-se meia hora, e o seu bom anjo, neste espaço, vestido com as galas com que ele vestia na imaginação Teresa, deu-lhe rebates de saudade daqueles tempos e ainda das horas daquele mesmo dia em que cismava na felicidade que o amor lhe prometia, se ele a procurasse no caminho do trabalho e da honra. Contemplou os seus livros com tanto afecto, como se em cada um estivesse uma página da história do seu coração. Nenhuma daquelas páginas tinha ele lido, sem que a imagem de Teresa lhe aparecesse a fortalecê-lo para vencer os tédios da continuada aplicação e os ímpetos dum natural inquieto e ansioso de emoções desusadas. «E há-de tudo acabar assim? – pensava ele, com a face entre as mãos, encostado à sua banca de estudo. – Ainda há pouco eu era tão feliz!… Feliz! – repetiu ele, erguendo-se de golpe – Quem pode ser feliz com a desonra duma ameaça impune?!… Mas eu perco-a! Nunca mais eu hei-de vê-la… Fugirei como um assassino, e meu pai será o meu primeiro inimigo, e ela mesma há-de horrorizar-se da minha vingança… A ameaça só ela a ouviu; e, se eu tivesse sido aviltado no conceito de Teresa pelos insultos do miserável, talvez que ela os não repetisse…»

Simão Botelho releu a carta duas vezes, e à terceira leitura achou menos afrontosas as bravatas do fidalgo cioso. As linhas finais desmentiam formalmente a suspeita do aviltamento, com que o seu orgulho o atormentava: eram expressões ternas, súplicas ao seu amor como recompensa dos passados e futuros desgostos, visões encantadoras do futuro, novos juramentos de constância, e sentidas frases de saudade.

Quando o arrieiro bateu à porta, Simão Botelho já não pensava em matar o homem de Castro Daire; mas resolvera ir a Viseu, entrar de noite, esconder-se e ver Teresa. Faltava-lhe, porém, casa de confiança onde se ocultasse. Nas estalagens seria logo descoberto. Perguntou ao arrieiro se conhecia alguma casa em Viseu onde ele pudesse estar escondido uma noite ou duas, sem receio de ser denunciado.





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