O arrieiro respondeu que tinha, a um quarto de légua de Viseu, um primo ferrador; e não conhecia em Viseu senão os estalajadeiros. Simão achou aproveitável o parentesco do homem, e logo daí o presenteou com uma jaqueta de peles e uma faixa de seda escarlate, à conta de maiores valores prometidos, se ele o bem servisse numa empresa amorosa.
No dia seguinte, chegou o académico a casa do ferrador. O arrieiro deu conta ao seu parente do que tinha tratado com o estudante.
Foi Simão Botelho cautelosamente hospedado, e o arrieiro abalou no mesmo ponto para Viseu, com uma carta destinada a uma mendiga, que morava no mais impraticável beco da terra. A mendiga informou-se miudamente da pessoa que enviava a carta e saiu, mandando esperar o caminheiro. Pouco depois voltou ela com a resposta, e o arrieiro partiu a galope.
Era a resposta um grito de alegria. Teresa não reflectiu, respondendo a Simão, que naquela noite se festejavam os seus anos, e se reuniam em casa os parentes. Disse-lhe que às onze horas em ponto ela iria ao quintal e lhe abriria a porta.
Não esperava tanto o académico. O que ele pedia era falar-lhe da rua para a janela do seu quarto, e receava impossível este prazer, que ele avaliava o máximo. Apertar-lhe a mão, sentir-lhe o hálito, abraçá-la talvez, cometer a ousadia de um beijo, estas esperanças, tão além de suas modestas e honestas ambições, igualmente o enleavam e assustavam. Enlevo e susto em corações que se estreiam na comédia humana são sentimentos congeniais.
À hora da partida, Simão tremia, e a si mesmo pedia contas da timidez, sem saber que os encantos da vida, os mais angélicos momentos da alma, são esses lances de misterioso alvoroço que aos mais serôdios de coração sucedem em todas as sazões da vida, e a todos os homens, uma vez ao menos.
Às onze horas em ponto estava Simão encostado à porta do quintal, e a distância convencionada o arrieiro com o cavalo à rédea. A toada da música, que vinha das salas remotas, alvoroçava-o, porque a festa em casa de Tadeu de Albuquerque o surpreendera.