Amor de Perdição - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 32 / 145

Respondeu ele contando a história do incidente com o encapotado; receando, porém, assustar Teresa e privar-se da entrevista, escreveu nova carta, em que não transluzia medo de ser atacado, nem sequer receio de marear-lhe a fama. Quis parecer a Simão Botelho que este era o digno porte de um amante corajoso.

Passou o estudante aquele dia contando as longas horas, e meditando instantes nos funestos resultados que podia ter a sua temerária ida, se Baltasar Coutinho era aquele homem que reservara para melhor relance a vingança da provocação insolente. Mas, de si para si, tinha ele que pensar em tal era mais covardia que prudência.

O ferrador tinha uma filha, moça de vinte e quatro anos, formas bonitas, um rosto belo e triste. Notou Simão os reparos em que ela se demorava a contemplá-lo, e perguntou-lhe a causa daquele olhar melancólico com que ela o fitava. Mariana corou, abriu um sorriso triste, e respondeu:

– Não sei o que me adivinha o coração a respeito de Vossa Senhoria. Alguma desgraça está para lhe suceder…

– A menina não dizia isso – replicou Simão – sem saber alguma coisa da minha vida.

– Alguma coisa sei… – tornou ela.

– Ouviu contar ao arrieiro?

– Não, senhor. É que meu pai conhece o paizinho de Vossa Senhoria, e também conhece o senhor. E há bocadinho que eu ouvi estar meu pai a dizer a meu tio, que é o arrieiro que veio com Vossa Senhoria, que tinha suas razões para saber que alguma desgraça lhe estava para acontecer…

– Porquê?

– Por amor duma fidalga de Viseu, que tem um primo em Castro Daire.

Simão espantou-se da publicidade do seu segredo, e ia colher pormenores do que ele julgava mistério entre duas famílias, quando o mestre ferrador João da Cruz entrou no sobrado, onde o precedente diálogo se passara. A moça, como ouvisse os passos do pai, saíra lestamente por outra porta.

– Com sua licença – disse mestre João.

Dizendo, fechou por dentro ambas as portas, e sentou-se sobre uma arca.





Os capítulos deste livro