Amor de Perdição - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 48 / 145

Saiu do seu quarto, relanceando os olhos lagrimosos para o painel da Virgem, e, encontrando o pai, pediu-lhe licença para levar consigo aquela devota imagem.

– Lá irá ter – respondeu ele. – Se tivesse tanta vergonha como devoção, seria mais feliz do que há-de ser.

Uma das primas, irmãs de Baltasar, chamou-a de parte, e segredou-lhe:

– Ó menina, estava ainda na tua mão dares remédio à desordem desta casa…

– Qual remédio?! – perguntou Teresa com artificial seriedade.

– Diz a teu pai que não duvidas casar com o mano Baltasar.

– O primo Baltasar não me quer – replicou ela sorrindo.

– Quem te disse isso, Teresinha?

– Disse-mo o meu pai.

– Deixa falar teu pai, que está desatinado com o amor que te tem. Queres tu que eu lhe fale?

– Para quê?

– Para se remediar deste modo a desgraça de todos nós.

– Estás a brincar, prima! – redarguiu Teresa. – Eu hei-de ser tua cunhada quando não tiver coração. Teu mano tem a certeza de que eu amo outro homem. Queria viver para ele; mas, se quiserem que eu morra por ele, abençoarei todos os meus algozes. Podes dizer isto ao primo Baltasar, e diz-lho antes que te esqueça.

– Então, vamos?! – disse o velho.

– Estou pronta, meu pai.

Abriu-se a portaria do mosteiro. Teresa entrou sem uma lágrima. Beijou a mão de seu pai, que ele não ousou recusar-lhe na presença das freiras. Abraçou suas primas, com semblante de regozijo; e, ao fechar-se a porta, exclamou, com grande espanto das monjas:

– Estou mais livre que nunca. A liberdade do coração é tudo.

As freiras olharam-se entre si, como se ouvissem na palavra «coração» uma heresia, uma blasfémia proferida na casa do Senhor.

– Que diz a menina?! – perguntou a prioresa, fitando-a por cima dos óculos, e apanhando no lenço de Alcobaça a destilação do esturrinho.

– Disse eu que me sentia aqui muito bem, minha senhora.

– Não diga minha senhora – atalhou a escrivã.

– Como hei-de dizer?

– Diga «nossa madre prioresa».

– Pois sim, nossa madre prioresa, disse eu que me sentia aqui muito bem.

– Mas quem vem para estas casas de Deus não vem para se sentir bem – tornou a nossa madre prioresa.

– Não?! – disse Teresa com sincera admiração.





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