Amor de Perdição - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 52 / 145

– Estou, minha senhora.

– Pois aquela grosseira vai-se embora, e deixa uma hóspede sozinha? Bem se vê que é filha de funileiro!… Pois tinha tempo de ter prática do mundo, que tem andado por lá que farte…

Eu havia de ir ao coro; mas não vou, para lhe fazer companhia, menina.

– Vá, vá, minha senhora, que eu fico bem sozinha – disse Teresa, com esperança de poder desafogar em lágrimas a sua aflição.

– Não vou, não!… A menina aqui estarrecia de medo; mas a prelada não tarda aí. Ela, se pode escapar-se do coro, não pára lá muito tempo. Ia apostar que ela lhe esteve a falar mal de mim?

– Não, minha senhora, pelo contrário…

– Ora diga a verdade, menina! Eu sei que esta cegonha não fala bem de ninguém. Para ela tudo são libertinas e bêbedas.

– Nada, não, minha senhora; nada me disse a respeito de alguma freira.

– E, se disse, deixá-la dizer. Ela o vinho não o bebe, suga-o; é uma esponja viva. Enquanto à libertinagem, tomara eu tantos mil cruzados como de amantes ela tem tido! Faz lá uma pequena ideia, menina!…

A escrivã bebeu um cálice de vinho da sua prelada e continuou:

– Faz lá uma pequena ideia! Ela é velhíssima como a sé. Quando eu professei já ela era velha como agora, com pouca diferença. Ora eu sou freira há vinte e seis anos; calcule a menina quantas arrobas de esturrinho ela tem atulhado naqueles narizes! Pois olhe, quer me creia, quer não, tenho-lhe conhecido mais de uma dúzia de chichisbéus, não falando do padre capelão, que esse ainda agora lhe fornece a garrafeira, à nossa custa, entende-se. É uma dissipadora dos rendimentos da casa. Eu, que sou escrivã, é que sei o que ela rouba. Eu tenho imensa pena de ver a menina hospedada em casa desta hipócrita. Não se deixe levar das imposturices dela, meu anjinho. Eu sei que seu pai lhe mandou falar, e a encarregou de a não deixar escrever, nem receber cartas; mas olhe, minha filha, se quiser escrever, eu dou-lhe tinteiro, papel, obreias e o meu quarto, se para lá quiser ir escrever. Se tem alguém que lhe escreva, diga-lhe que mande as cartas em meu nome; eu chamo-me Dionísia da Imaculada Conceição.

– Muito agradecida, minha senhora – disse Teresa, animada pelo oferecimento. – Quem me dera poder mandar um recado a uma pobre que mora no beco do…





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