Amor de Perdição - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 57 / 145

– Veja lá o que faz… – tornou ela dando-lhe o papel e o lápis – Olhe se alguma carta se perde, e se descobre tudo…

– Tudo o quê, Mariana? Pois sabe alguma coisa!?

– Era preciso que eu fosse muito tola… Eu não lhe disse já que já sabia da sua amizade a uma menina fidalga da cidade?

– Disse. Mas que tem isso?

– Aconteceu o que eu receava. Vossa senhoria está aí ferido, e toda a gente fala nuns homens que apareceram mortos.

– Que tenho eu com os homens que apareceram mortos?

– Para que está a fingir-se de novas?! Pois eu não sei que esses homens eram criados do primo da tal senhora? Parece que vossa senhoria desconfia de mim, e está a querer guardar um segredo que eu tomara que ninguém soubesse, para que meu pai e o senhor Simão não tenham alguns trabalhos maiores…

– Tem razão, Mariana, eu não devia esconder de si o mau encontro que tivemos…

– E Deus queira que seja o último!… Tanto tenho pedido ao Senhor dos Passos que lhe dê remédio a essa paixão!… O pior futuro eu que ainda está por passar…

– Não, menina, isto acaba assim: eu vou para Coimbra, logo que esteja bom, e a menina da cidade fica em sua casa.

– Se assim for, já prometi dois arráteis de cera ao Senhor dos Passos; mas não me diz o coração que vossa senhoria faça o que diz…

– Muito agradecido lhe estou pelo bem que me deseja – disse Simão comovido. – Não sei o que lhe fiz para lhe merecer a sua amizade.

– Basta ver o que o seu paizinho fez pelo meu – disse ela, limpando as lágrimas. – O que seria de mim se ele me faltasse, e se fosse à forca como toda a gente dizia!… Eu era ainda muito nova quando ele estava na enxovia. Teria treze anos; mas estava resolvida a atirar-me ao poço, se ele fosse condenado à morte. Se o degredassem, então ia com ele, ia morrer onde ele fosse morrer. Não há dia nenhum que eu não peça a Deus que dê a seu pai tantos prazeres como estrelas tem o céu. Fui de propósito à cidade para beijar os pés à sua mãezinha, e vi suas manas, e uma, que era a mais nova, deu-me uma saia de lapim, que eu ainda ali tenho guardada como uma relíquia.





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