Amor de Perdição - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 59 / 145

Simão sentou-se, e escreveu sobre uma cadeira, que Mariana espontaneamente lhe chegou, dizendo:

– Enquanto escreve, vou olhar pelo caldinho, que está a ferver.

«É necessário arrancar-te daí – dizia a carta de Simão. – Esse convento há-de ter uma evasiva. Procura-a, e diz-me a noite e a hora em que devo esperar-te. Se não puderes fugir, essas portas hão-de abrir-se diante da minha cólera. Se daí te mandarem para outro convento mais longe, avisa-me, que eu irei, sozinho ou acompanhado, roubar-te ao caminho. É indispensável que te refaças de ânimo para te não assustarem os arrojos da minha paixão. És minha! Não sei de que me serve a vida, se a não sacrificar a salvar--te. Creio em ti, Teresa, creio. Ser-me-ás fiel na vida e na morte. Não sofras com paciência; luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma afronta. Escreve-me a toda a hora que possas. Eu estou quase bom. Diz-me uma palavra, chama-me e eu sentirei que a perda do sangue não diminui as forças do coração.» Simão pediu a sua carteira, tirou dinheiro em prata, deu-o ao ferrador, e recomendou-lhe que o entregasse à pobre com a carta.

Depois ficou relendo a de Teresa, e recordando-se da resposta que dera. Mestre João foi à cozinha e disse a Mariana:

– Desconfio duma coisa, rapariga.

– O que é, meu pai?

– O nosso doente está sem dinheiro.

– Porquê? O pai como sabe isso?

– É que ele pediu-me a carteira para tirar dinheiro, e ela pesava tanto como uma bexiga de porco cheia de vento. Isto bole--me cá por dentro! Queria oferecer-lhe dinheiro, e não sei como há--de ser.

– Eu pensarei nisso, meu pai – disse Mariana, reflectindo.

– Pois sim; cogita lá tu, que tens melhores ideias que eu.

– E, se o pai não quiser bulir nos seus quatrocentos, eu tenho aquele dinheiro dos meus bezerros; são onze moedas de ouro menos um quarto.

– Pois sim, falaremos: pensa tu no modo de ele aceitar sem remorsos.

Remorsos, na linguagem pouco castigada do mestre João, era sinónimo de escrúpulos ou repugnância.





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