Amor de Perdição - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 73 / 145

A filha do ferrador deu o recado, e sem alteração de palavra. Simão escutara-a placidamente até ao ponto em que lhe ela disse que o primo Baltasar a acompanhava ao Porto.

– O primo Baltasar!… – murmurou ele com um sorriso sinistro.

– Sempre este primo Baltasar cavando a sua sepultura e a minha!…

– A sua, fidalgo?! – exclamou João da Cruz. – Morra ele, que o levem trinta milhões de diabos! Mas vossa senhoria há-de viver enquanto eu for João. Deixe-a ir para o Porto, que não tem perigo no convento. De hora a hora Deus melhora. O senhor doutor vai para Coimbra, está por lá algum tempo, e às duas por três, quando o velho mal se precatar, a fidalguinha engrampa-o, e é sua tão certo como esta luz que nos alumia.

– Eu hei-de vê-la antes de partir para Coimbra – disse Simão.

– Olhe que ela recomendou-me muito que não fosse lá – acudiu Mariana.

– Por causa do primo? – tornou o académico ironicamente.

– Acho que sim, e por talvez não servir de nada lá ir vossa senhoria – respondeu timidamente a moça.

– Lá, se quer – bradou mestre João – a mulher, vai-se-lhe tirar ao caminho. Não tem mais que dizer.

– Meu pai, não meta este senhor em maiores trabalhos! – disse Mariana.

– Não tem dúvida, menina – atalhou Simão –, eu é que não quero meter ninguém em trabalhos. Com a minha desgraça, por maior que ela seja, hei-de eu lutar sozinho.

João da Cruz, assumindo uma gravidade de que a sua figura raras vezes se enobrecia, disse:

– Senhor Simão, vossa senhoria não sabe nada do mundo. Não meta sozinho a cabeça aos trabalhos, que eles, como o outro que diz, quando pegam de ensarilhar um homem, não lhe deixam tomar fôlego. Eu sou um rústico; mas, a bem dizer, estou naquela daquele que dizia que o mal dos seus burrinhos o fizera alveitar. Paixões… que as leve o diabo, e mais quem com elas engorda. Por causa de uma mulher, ainda que ela seja filha do rei, não se há-de um homem botar a perder. Mulheres há tantas como a praga, e são como as rãs do charco, que mergulha uma, e aparecem quatro à tona da água. Um homem rico e fidalgo como vossa senhoria onde quer topa uma com palmo de cara como se quer, e um dote de encher o olho.





Os capítulos deste livro