Amor de Perdição - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 83 / 145

Aqui tem vossa senhoria uma especialíssima e triste posição. Queria valer-lhe, e não posso.

– E eu não posso nem quero, senhor doutor juiz de fora. Está na cadeia?

– Ainda não: está em minha casa. Venho saber se vossa senhoria determina que lhe seja preparada com decência a prisão.

– Eu não determino nada. Faça de conta que o preso Simão não tem aqui parente algum.

– Mas, senhor doutor corregedor – disse o juiz de fora com tristeza e compunção –, vossa senhoria é pai.

– Sou um magistrado.

– É demasiada a severidade, perdoe-me a reflexão, que é amiga. Lá está a lei para o castigar; não o castigue vossa senhoria com o seu ódio. A desgraça quebranta o rancor de estranhos, quanto mais o afectuoso ressentimento de um pai!

– Eu não odeio, senhor doutor; desconheço esse homem em que me fala. Cumpra os seus deveres, que lho ordena o corregedor, e o amigo mais tarde lhe agradecerá a delicadeza.

Saiu o juiz de fora, e foi encontrar Simão na mesma serenidade em que o deixara.

– Venho de falar com seu pai – disse o juiz –, encontrei-o mais irado do que era natural calcular. Penso que por enquanto nada pode esperar da influência ou do patrocínio dele.

– Isso que importa? – respondeu sossegadamente Simão.

– Importa muito, senhor Botelho. Se seu pai quisesse, havia meios de mais tarde lhe adoçar a sentença.

– Que me importa a mim a sentença? – replicou o filho do corregedor.

– Pelo que vejo, não lhe importa ao senhor ir a uma forca?

– Não, senhor.

– Que diz, senhor Simão! – redarguiu espantado o interrogador.

– Digo que o meu coração é indiferente ao destino da minha cabeça.

– E sabe que seu pai não lhe dá mesmo protecção, a protecção das primeiras necessidades na cadeia?

– Não sabia; que tem isso? Que importa morrer de fome, ou morrer no patíbulo?

– Porque não escreve a sua mãe? Peça-lhe que…

– Que hei-de eu pedir a minha mãe? – atalhou Simão.

– Peça-lhe que amacie a cólera de seu pai, senão o senhor Botelho não tem quem o alimente.

– Vossa Senhoria está-me julgando um miserável a quem dá cuidado saber onde há-de almoçar hoje.





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