O Crime do Padre Amaro - Cap. 24: Capítulo 24 Pág. 458 / 478

Chamou então a Dionísia: e sentado ao pé dela, quase contra os joelhos da mulher, com a face rígida e lívida como um mármore, escutou em silêncio a história da noite - as convulsões de repente, tão fortes que ela, a Gertrudes e o senhor doutor mal a podiam segurar! o sangue, as prostrações em que caía! depois a ansiedade da asfixia que a fazia tão roxa como a túnica duma imagem...

Mas o moço do Cruz chegara com o cavalo. Amaro tirou duma gaveta, de entre roupa branca, um pequeno crucifixo, e deu-o à Dionísia que ia voltar à Ricoça para ajudar a amortalhar a menina.

- Que lhe ponham este crucifixo no peito, tinha-mo ela dado...

Desceu, montou; e apenas na estrada da Barrosa despediu a galope. Não chovia, agora; e entre as nuvens pardas algum raio fraco do sol de Dezembro fazia brilhar a relva, as pedras molhadas.

Quando chegou ao pé do poço entulhado, donde se avistava a casa da Carlota, teve de parar, para deixar passar um longo rebanho de ovelhas que tomavam o caminho; e o pastor, com uma pele de cobra ao ombro e a borracha a tiracolo, fez-lhe lembrar de repente Feirão, toda a vida passada, que lhe voltava por fragmentos bruscos - aquelas paisagens afogadas nos vapores pardacentos da serra; a Joana rindo estupidamente dependurada da corda do sino; as suas ceias de cabrito assado na Gralheira, com o abade, defronte da chaminé, onde a lenha verde estalava; os longos dias em que se desesperava na tristeza da residência, vendo fora sem cessar cair a neve... E veio-lhe um desejo ansioso dessas solidões da serra, dessa existência de lobo, longe dos homens e das cidades, sepultado lá com a sua paixão.

A porta de Carlota estava fechada. Bateu, foi de roda chamar, atirando a voz por cima do telhado dos currais, para o pátio, onde sentia cacarejar os galos.





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