O Crime do Padre Amaro - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 91 / 478

Via-se pobre, bonita, só: cobiçava uma situação legitima e duradoura, o respeito das vizinhas, a consideração dos lojistas, todos os proveitos da honra!

Odiou-a então, e o seu vestido afogado e a sua honestidade! A estúpida, que não percebia que ao pé dela, sob uma negra batina, uma paixão devota a espreitava, a seguia, tremia e morria de impaciência! Desejou que ela fosse como a mãe, - ou pior, toda livre, com vestidos garridos, uma cuia impudente, traçando a perna e fitando os homens, uma fêmea fácil como uma porta aberta...

- Boa! Estou a desejar que a rapariga fosse uma desavergonhada! - pensou, recaindo em si um pouco envergonhado. Está claro: não podemos pensar em mulheres decentes, temos que reclamar prostitutas! Bonito dogma!

Abafava. Abriu a janela. O céu estava tenebroso; a chuva cessara; o piar das corujas na Misericórdia cortava só o silêncio.

Enterneceu-se, então, com aquela escuridão, aquela mudez de vila adormecida. E sentiu subir outra vez, das profundidades do seu ser, o amor que sentira ao princípio por ela, muito puro, dum sentimentalismo devoto: via a sua linda cabeça, duma beleza transfigurada e luminosa, destacar da negrura espessa do ar; e toda a sua alma foi para ela num desfalecimento de adoração, como no culto a Maria e na Saudação Angélica; pediu-lhe perdão ansiosamente de a ter ofendido; disse-lhe alto: És uma santa, perdoa! - Foi um momento muito doce, de renunciamento carnal...

E, espantado quase daquelas delicadezas de sensibilidade que descobria subitamente em si, pôs-se a pensar com saudade - que se fosse um homem livre seria um marido tão bom! Amorável, delicado, dengueiro, sempre de joelhos, todo de adorações! Como amaria o seu filho, muito pequerruchinho, a puxar-lhe as barbas! à ideia daquelas felicidades inacessíveis, os olhos arrasaram-se-lhe de lágrimas.





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