Noites Brancas - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 20 / 67

(contiunuou)

— Por que razão, em suma, este amigo, por certo um conhecimento de fresca data, logo à primeira visita — porque, em casos destes, não haverá uma segunda visita —, por que razão o próprio visitante se sente tão perturbado e frio, com o seu espírito (isto se alguma vez o teve) embotado, ao ver o rosto transtornado do seu anfitrião, o qual, por seu turno, está agora completamente destituído do seu derradeiro grão de sensatez, após ter feito esforços gigantescos, mas vãos, para remover as dificuldades da conversa e para a tornar agradável, mostrando a sua experiência da sociedade, falando também sobre o belo sexo e, pelo menos através desta concessão, tentar ajudar aquele pobre diabo caído por engano em sua casa? Por que razão, ainda, o visitante agarra de repente no chapéu e se retira rapidamente, lembrando-se de súbito de um assunto absolutamente inadiável, que nunca existiu, e liberta de qualquer maneira a mão do caloroso aperto do anfitrião, empenhado agora em manifestar o seu pesar e a ganhar o tempo perdido? Por que razão, ao afastar-se da porta, o amigo solta uma grande gargalhada e promete a si mesmo nunca mais voltar a casa daquele excêntrico — se bem que, no fundo, este excêntrico seja um excelente rapaz — e, ao mesmo tempo, não se pode impedir de conceder à sua imaginação um pequeno devaneio: comparar, ainda que longinquamente, a fisionomia do seu interlocutor de há momentos durante toda a visita, com o aspecto daquele infeliz gatinho perseguido, aterrorizado, torturado de todas as maneiras pelas crianças que o aprisionaram traiçoeiramente e que, o mais assustado possível, lhes conseguiu finalmente fugir para debaixo da mesa, onde, mergulhado na obscuridade, à sua vontade, se espreguiçou e lavou, alisando o pêlo com as patinhas, após as ter passado pelo seu focinhito desconfiado e que, depois, cumprida esta tarefa, olhou longa e hostilmente a natureza, a vida e até os restos da refeição dos donos que a cozinheira benévola lhe reservou?

— Escute — interrompeu Nastenka, que me escutava surpreendida desde o começo, com os olhos e com a boca muito abertos, escute: não sei, de modo algum, a que titulo vem tudo isso, nem por que motivo me faz perguntas tão estranhas. Do que eu tenho a certeza é de que todas essas aventuras lhe sucederam a si, de fio a pavio.





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