Noites Brancas - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 48 / 67

— Basta, acabe com isso!—disse ela.

Num relâmpago, ela adivinhara, a marota!

Bruscamente, pusera-se extraordinariamente tagarela, alegre, travessa. Deu-me o braço; ria-se, queria que eu me risse também, e cada comovida palavra que eu pronunciava lhe provocava um acesso de riso, tão sonoro, tão prolongado... Começava a irritar-me; subitamente, começava a revelar garridice.

— Escute então—disse ela.—Na verdade, sinto-me um pouco despeitada por o senhor não se ter apaixonado por mim. Vá lá a gente compreender os homens! Da mesma maneira, senhor inflexível, não me pode felicitar pela minha modéstia. Digo-lhe tudo a si, todas as tolices que me passam pela cabeça.

— Ouça! São onze horas, segundo julgo...—disse eu quando as pancadas sonoras de um sino ressoaram ao longe numa torre do centro da cidade.

Ela deteve-se e, imediatamente, deixou de se rir e começou a contar.

— Sim, onze!—disse finalmente, com uma voz irresoluta e tímida.

Logo me arrependi de lhe ter metido medo, de a ter obrigado a contar as horas, e amaldiçoo-me por este acesso de maldade. Fiquei desgostoso por causa dela e não sabia como reparar a minha falta. Impus-me a tarefa de a consolar, de justificar as razões da ausência do outro, de criar diversos argumentos, diversas provas. Naquele instante, não havia ninguém mais fácil de enganar do que ela, e, aliás, todas as criaturas escutam com alegria qualquer consolação e se sentem felizes por encontrar a mínima sombra de justificação.





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