Noites Brancas - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 49 / 67

— E, aliás, a Nastenka é tonta—continuei entusiasmando-me cada vez mais e admirando a extraordinária limpidez das minhas provas—, aliás, ele não podia vir. A Nastenka enganou-me também a mim, e fui de tal modo arrastado pelos seus devaneios que perdi a noção do tempo... Reflicta um pouco: ele mal teve tempo para receber a carta; suponhamos que lhe foi impossível ter vindo e que responde por escrito. A ser assim, a carta só chegará amanhã de manhã. Amanha, logo pela manhã, irei a casa dele e virei imediatamente dizer-lhe o que se passou. Suponha ainda mil e uma coisas possíveis: ele não estava em casa quando a carta chegou e, portanto, não a pôde ainda ler... Tudo pode acontecer, não é verdade?

— Sim, sim!—respondeu Nastenka.—Não tinha ainda pensado nisso... Naturalmente, tudo pode acontecer—continuou ela com uma voz totalmente conciliadora, uma voz onde se apercebia uma desagradável dissonância, um pensamento longínquo e desfasado daquilo que dizia.—Olhe, eis o que deve fazer—continuou—: irá amanhã, o mais cedo possível, e, se obtiver qualquer informação, virá transmitir-ma imediatamente. Sabe onde eu moro?—E repetiu-me o seu endereço.

Depois ficou, subitamente, muito terna e tímida comigo... Tinha o ar de escutar com atenção o que eu lhe dizia, mas, quando lhe fiz não sei que pergunta, ficou em silêncio, perturbou-se e desviou o rosto. Olhei-a nos olhos: era o que eu temia; estava a chorar.

— Então, como é possível? Não seja criança... não continue, por favor!

Ela tentou sorrir e acalmar, mas o queixo tremia-lhe e o seio agitava-se, arfante.

— Penso em si—disse-me, após um minuto de silêncio.—O senhor é tão bom que seria preciso ser de pedra se não o sentisse... Sabe o que acaba de me ocorrer? Comparo-vos um ao outro. Porque não é ele o senhor? Porque não é como o senhor? Não é tão bom, e no entanto amo-o mais do que a si.





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