As Máscaras do Destino - Cap. 3: A MORTA Pág. 12 / 80

crepúsculo, todo vestido de glicínias, descia com a doçura dumas pálpebras que se fechassem, o perfume das rosas, dos cachos de lilás, das suas recordações de amor encerradas com ela, fazia-se mais denso, corporizava-se, tornava-se nuvem, unguento divino que a inundava, que a aromatizava toda. Os passos, letras de um poema que cia sabia de cor, mal se ouviam, perdidos ainda no coração da cidade, gritante, alucinada cidade dos vivos... mas, agora, vinham mais perto, distinguiam-se melhor, eram mais arrastados, tateavam o chão, tomavam posse das pedras do caminho da silenciosa cidade dos mortos.

Os sete palmos brancos onde as flores dormiam de encontro à carne branca da virgem eram como um enxame de abelhas de oiro: zumbiam lá dentro todas as litanias de amor, batiam desvairadamente os corações dos cravos, abriam-se sedentas as pequeninas bocas das mil florinhas de lilás, aos seios pálidos das rosas aflorava uma onda levíssima de carmim.

A mão do noivo empurrava a porta do jazigo. Os outros mortos, ao lado, não o sentiam entrar; braços pendentes num gesto de fadiga, tinham ficado assim pelos séculos dos séculos.

Entre o vivo e a morta o diálogo era de uma sobre-humana beleza.

Essência de almas, as almas tocavam-se e era tão cândido e tão profundo aquele choque, que as misteriosas forças desse fluido criavam outros fluidos, sopros, hálitos de almas, desses que os predestinados sentem às vezes passar como asas invisíveis roçando um rosto na escuridão. Diálogo em que as bocas ficavam mudas, em que os sons eram imateriais e os gestos intangíveis e o perfume, que é a alma dos sentimentos, não era mais pesado que uma essência de perfume.

O vivo e a morta falavam, e o que eles diziam não o podem entender os vivos nem talvez mesmo os outros mortos, aqueles que ao lado dormiam pesadamente, braços pendidos num gesto de fadiga pelos séculos dos séculos.





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