As Máscaras do Destino - Cap. 4: OS MORTOS NÃO VOLTAM Pág. 21 / 80

Armada que o ouvia, com uma grande atenção, de pé, encostado ao peitoril da janela; “não, você não pode lembrar-se; isto passou-se há anos, ainda você não tinha entrado sequer na Naval; de um seu camarada que morreu, vítima de um desastre no mar, oito dias antes do marcado para o casamento. O cadáver, apesar de incansáveis pesquisas, nunca mais apareceu. Era um esplêndido rapaz, dotado das mais fortes e sérias qualidades, de uma beleza viril que se impunha. Lembro-me muito bem da cara dele, principalmente dos olhos; tinha um olhar duro, um estranho olhar que nos penetrava como uma verruma, que afirmava, que insistia; mas, quando nos pressentia o vago mal-estar de uma alma que se sente vasculhada, adivinhada até aos seus mais recônditos esconderijos, o olhar mágico dulcificava-se, aveludava-se, transformava-se na suavidade de um olhar quase feminino, lânguido e caricioso. Era realmente um belo rapaz. Lembro-me muito bem dele e da tragédia da sua morte. Nos primeiros dias houve sérios receios de que a noiva enlouquecesse. Eu fui vê-la nessa ocasião; depois, esteve numa casa de saúde na Alemanha, viajou pelo Oriente, foi a Jerusalém. Voltou, passados dois ou três anos, curada, segundo parecia. Reatou os seus hábitos interrompidos, viram-na de novo, mais linda do que nunca, os salões mais chiques da capital, e começaram, é claro, a fazer-lhe a corte. Nova, bonita, rica, porque não? O mundo é dos vivos, os mortos têm o seu à parte. Era natural que a pobre rapariga esquecesse, fizesse por viver, tentasse de novo fundar um lar, desejasse filhos, não é verdade? As mãos geladas de um cadáver não têm o direito de prender eternamente o coração de uma rapariga de vinte anos que crê na vida, mas as deceções, na turba cada vez mais numerosa dos pretendentes, foram-se multiplicando; Lídia de Vasconcelos atendia benevolamente todos, mas não se decidia a escolher nenhum.




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