As Máscaras do Destino - Cap. 5: O RESTO É PERFUME Pág. 29 / 80

.. Tem-se a impressão de se estar fora do mundo e em comunicação com ele, dentro da vida e fora dela, no estranho e triunfal inebriamento de agitar perdidamente as asas no espaço e no profundo desânimo de as sentir presas ainda! A terra é tão triste, tão triste, que a gente até tinha pena de lhe pôr os pés em cima; nos nossos passos, ao pisá-la, arrastávamos o remorso e a dor de quem um dia escarneceu um pobre! As nossas mãos esboçavam sem querer o gesto de a levantar, de a erguer devagarinho até à altura dos nossos lábios; sentíamos uma profunda e dolorosa vergonha de a adivinharmos humilde e boa, pobrezinha a dar misericordiosamente todo o bem que tem, a despojar-se de todas as suas escassas galas de pobre envergonhado, inesgotavelmente, nas mãos abertas dos ricos soberbos.

«Muitas vezes, confundíamos os arrastados crepúsculos de Verão com as claras noites de lua cheia. Estávamos longe; vínhamos para casa noite fechada. Na charneca, o luar inundava tudo, os rosmaninhos e os alecrins, as estevas e as urzes, todas as moitas sequiosas, que o bebiam como água límpida que um cântaro a transbordar entornasse lá do alto. Às vezes era tão branco, tão imaterial, de uma tão pura religiosidade, que a planície alagada fazia lembrar uma grande toalha de altar onde tivessem espalhado hóstias.

«Nos olivais era ainda mais lindo. O meu amigo doido sorria apaziguado. O luar entrava sorrateiro, em bicos de pés, não fosse alguém pô-lo lá fora... E as árvores, as tristes oliveiras de há pouco?!...

Ao passar pelo meio delas, dava vontade de lhes perguntar: “E os vossos vestidinhos de burel cinzento? Que lhes fizeram, princesinhas de lenda?... Onde está o teu vestido e o teu negro capuz, Peau d’Ane? E o teu, Cendrillon?” Todas vestidas de prata,





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