A carta, em cima da mesa, atraiu-lhe o olhar com a sua brancura imóvel e fria; a carta parecia o selo sem esperança daquele túmulo, o selo maldito que a sorte aziaga imprimira a fechar, para a eternidade, aquela vida ardente e moça. A mãe pegou nela docemente. Tremiam-lhe as mãos ao levantá-la de cima da mesa como se não pudessem com ela, com aquele fardo, como se a carta fosse assim como uma cruz de ferro onde o destino lhe crucificara o filho. Estava fechada; e então a mãe, ao lindo nome de mulher que as mãos morenas do filho tinham traçado na última hora da sua vida, acrescentou mentalmente o resto do nome que lá não estava e que o seu triste coração de mãe adivinhara: Calderón de Ataíde.
Sim, o louco segredo do filho, do pobre operário canteiro era aquele. A Maria del Pilar, a quem gritara de longe o seu doido amor, a sua cega paixão de romântico, não era, como à primeira vista poderia imaginar-se, a priminha afastada que de terras de Espanha viera há meses e que por aqui ficara, presa como andava a uns escuros olhos portugueses. Não era a costureirinha gentil com quem poderia ter criado um lar, um doce lar de pobres, como um ninho suspenso num beiral, a cabeça a tocar o teto, o teto quase ao pé do céu.