As Máscaras do Destino - Cap. 6: A PAIXÃO DE MANUEL GARCIA Pág. 37 / 80

Não, não era a moreninha espanhol, não era a andaluza de rosto tostado como o de uma gitana que andava pelas ruas com o xalinho traçado e os cabelos ao vento. Era a outra, a outra Maria del Pilar, a filha de uma nobre espanhola e de um grande fidalgo português, era a loira princesinha, a fada dos seus sonhos de poeta, que um dia, dia aziago e fatal, avistara por entre as grades doiradas do seu jardim distante.

Quando a viu, endoideceu. Preso, embriagado, arrastado por aquela delirante paixão, nunca mais teve sossego nem descanso. A oficina de canteiro, propriedade do avô, era ao canto da rua; de lá avistava-se todo o jardim, a escadaria sumptuosa, os amplos salões de baile no rés-do-chão, as inúmeras janelas dos aposentos particulares no primeiro e no segundo andar. Tinha ocasiões em que não tirava os olhos do palácio, via tudo quanto lá se passava, estava ao facto das saídas e entradas de toda a gente, espiava as idas e vindas dos criados e das visitas. Nas noites de baile, metia-se num canto sombrio do amplo portão da oficina, e ali passava a noite inteira a olhar as sombras que passavam ligeiras por detrás dos espessos cortinados de renda das janelas, como uma borboleta que a luz atraísse implacavelmente; só quando, de madrugada, via partir os últimos convidados, ou quando se apagava a última luz, é que ele se resolvia a voltar para casa, a passos lentos, transido de frio e com o coração num farrapo.

Outras vezes trabalhava, trabalhava febrilmente, sem descanso, o dia inteiro, numa exaltação de todos os seus nervos, numa ânsia de todo o seu ser, como se quisesse matar às marteladas qualquer ave de rapina que sentia roer-lhe as entranhas. E então fazia da pedra tudo quanto queria! O granito duro e informe parecia uma pasta mole, uma cera obediente, que ele talhava ao seu bel-prazer.





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