As Máscaras do Destino - Cap. 6: A PAIXÃO DE MANUEL GARCIA Pág. 43 / 80

.. e que sorriso!...

E foi assim que na penumbra fechada de um crepúsculo de Novembro, Manuel Garcia meteu uma bala no peito, depois de escrever num papel frases de amor a uma princesinha loira, depois de lhe ter traçado o nome, o lindo nome que cheira a jardins de Espanha, num quadradinho branco, onde as últimas lágrimas dos seus olhos caíram e secaram.

No quarto do morto, agora, só se ouviam os soluços miudinhos do velho, sentado aos pés da cama. A mãe tornou a pegar na carta, cuja brancura, sobre o vermelho do pano de ramagens, a hipnotizava. Pensativa, olhou-a longamente, tornou a poisá-la. Foi à janela, abriu-a, e debruçou-se no abismo da noite. A rua era um poço sem fundo. A chuva, que até ali caíra delgada como uma bruma, começava a engrossar. O palácio dos Ataídes, lá em baixo, na volta para a estrada, faiscava de luzes. Eram dez horas. Começava o baile, o grande baile que os pais da noiva ofereciam a todos os grandes nomes da capital, pelo casamento da filha. Maria del Pilar tinha casado, doze horas antes, na capela do palácio.

A pobre mãe abafou um soluço, voltou-se, e olhou o morto. A débil chama das velas, que o vento tornava movediça, traçava-lhe no rosto sombras e clarões, tirando-o da imobilidade da morte para o lançar na animação fictícia da vida; a olímpica serenidade dos libertados transformava-se: a boca parecia sorrir num esgar de desdém, os olhos pareciam abrir-se e pestanejar como se lá dentro as pupilas quisessem ver. Ver o quê, meu pobre adolescente que morreste velho? Ver o quê?... A vida que numa grotesca ironia te fez nascer na casinha de um pobre, a ti, a quem o destino cego dera a alma coroada de rosas e verbenas de um grego doutros tempos?! Tudo em ti era beleza, poesia e graça... e tudo isso





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