As Máscaras do Destino - Cap. 6: A PAIXÃO DE MANUEL GARCIA Pág. 44 / 80

a vida, miserável e trocista, vestiu com o cotim do teu pobre fatinho da semana, com o teu ridículo e mesquinho fato novo dos domingos! Quem dirá a estes troçados da vida o porquê do seu destino, a razão do engano que os fez nascer pastores, filhos de reis!...

A mãe tornou a debruçar-se sobre o negrume da rua. A chuva, agora, caía em enxurrada, como se o céu quisesse lavar o mundo de todos os seus maus pensamentos e ações. Buzinas de automóveis... um grito... passos que se esvaíam na sombra... Ao longe, um cão perdido uivava a miséria de ter nascido sem dono. Com os olhos fitos nas luzes do palácio, na fila ziguezagueante dos autos donde desciam sem cessar vultos negros, que se sumiam no pórtico todo iluminado, como a entrada de um palácio de um conto de fadas, a cabeça reclinada sobre o rebordo da janela, a mãe pôs-se a cismar. Que dois mundos tão diferentes! A noite e o dia, a luz e as trevas... Aos seus lábios resignados subiu a revolta de uma blasfémia; o coração esmagou-se-lhe, num arranco, de encontro ao seu magro peito de velha. Teve vontade de uivar como aquele cão sem dono, de se deitar na lama da rua, de bruços, com a boca na terra, rastejando, como um bicho, amortalhada na frescura daquela chuva que continuava a encharcar tudo, como se para além das quatro paredes daquele quarto o mundo acabasse num novo dilúvio. Ao seu coração subiu de repente o desejo, tenaz como uma ideia fixa, de catástrofes inauditas; os seus olhos traíram a visão de casas a desmoronar-se, de labaredas a flamejar, de mãos de assassinos e de incendiários abrindo todas as portas. As suas mãos estenderam-se também empunhando o facho incendiário, brandindo o punhal assassino nas sombras da noite. Que não ficasse pedra sobre pedra, que os campos fossem





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