A tarde da definitiva experiência, experiência que dera a certeza dos mais belos resultados, passou-a ele numa febre de orgulho, em cálculos de ambição, de glória e de riqueza, como um monarca doutros tempos contando o oiro e as pedrarias que as caravelas lhe traziam das misteriosas índias longínquas.
À noite, depois dessa tarde memorável, depois do motor desmontado, dos preciosos papéis fechados num envelope lacrado, depois da carta escrita ao diretor da Aviação, a quem pedia nomeasse uma comissão para avaliar os resultados práticos do novo motor que tinha inventado, com a cabeça a escaldar, o pulso como um cavalo a galope, febril, ansioso, resolveu sair, dar um passeio sozinho, procurando como um calmante a fresca aragem da noite, que descia sobre a cidade frenética como um monge sereno e plácido, de negro capuz, a murmurar orações confusas.
No seu passeio, procurou instintivamente as ruas escuras, as ruas solitárias; depois de dezenas de voltas e reviravoltas, sem saber como, foi dar consigo à beira do Tejo. Um degrau de pedra formando um esplêndido banco, ali próximo; esta aparição foi providencial à sua fadiga: sentou-se. Olhou o rio que faiscava à claridade da pálida Lua de Agosto.
As grandes carcaças dos navios imóveis manchavam o rio de esguias sombras escuras. Pensativo, apoiou a cabeça nas mãos, os cotovelos nos joelhos... E uma grande paz desceu subitamente sobre ele, vinda da noite, da escuridão, talvez do seu humilde destino de homem; entrou-lhe no coração cansado como uma branda lufada de ar puro num quarto abafado de doente.