As Máscaras do Destino - Cap. 8: AS ORAÇÕES DE SOROR MARIA DA PUREZA Pág. 63 / 80

as letras do teu nome, como quem passa as contas de um rosário, confesso primeiro os meus pecados para não blasfemar, Maria! Porque te calas? Tens medo da noite, meu amor?»

Mariazinha mexia os lábios como quem murmura mas não dizia nada. As mãozitas dobravam-se-lhe no regaço, como hastes que têm sede ao ardor do sol do meio-dia.

E todas as noites fora assim. Mariazinha lembrava-se muito bem. Todas as noites daquele ano em que não houvera Inverno, o namorado, encostado às grades, rezara a litania da sua puríssima paixão.

Mas um dia vieram dizer-lhe que ele tinha morrido. Morreu... pronto! Morreu. Foi só isto, Mariazinha. E depois? Depois... disseram-lhe, para a consolar, que ele tinha morrido como um herói, o corpo envolto na couraça, a cabeça cingida no elmo dos modernos cavaleiros andantes; que tinha o túmulo que merecera a sua grande alma ousada; que era preciso sacrificar, de vez em quando, o mais alto, o mais digno, para aplacar as cegas cóleras da Natureza a quem penetram os mistérios; que a bendita semente do exemplo era precisa no mundo, para não se colher só joio. Disseram-lhe ainda que a pátria apareceria mais alta tendo por pedestal o cadáver de um herói; que o seu audacioso e impávido coração de trinta anos era mais precioso imóvel e silencioso; que as suas fortes mãos de lutador, que domara e vencera os elementos e as forças más da Natureza, eram mais fortes na morte.

Mariazinha não percebeu nem tão-pouco disse nada. Encerrada em si mesma como num cofre selado, foi um túmulo fechado e mudo, onde as revoltas e os gritos, as censuras e as carícias iam despedaçar-se em vão.

À noite viam-na vaguear, horas e horas, sozinha, pelas ruas do jardim, sem se voltar, sem um gesto, sem um olhar de interesse pelas coisas que não via.





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