Mariazinha mexia os lábios como quem murmura mas não dizia nada. As mãozitas dobravam-se-lhe no regaço, como hastes que têm sede ao ardor do sol do meio-dia.
E todas as noites fora assim. Mariazinha lembrava-se muito bem. Todas as noites daquele ano em que não houvera Inverno, o namorado, encostado às grades, rezara a litania da sua puríssima paixão.
Mas um dia vieram dizer-lhe que ele tinha morrido. Morreu... pronto! Morreu. Foi só isto, Mariazinha. E depois? Depois... disseram-lhe, para a consolar, que ele tinha morrido como um herói, o corpo envolto na couraça, a cabeça cingida no elmo dos modernos cavaleiros andantes; que tinha o túmulo que merecera a sua grande alma ousada; que era preciso sacrificar, de vez em quando, o mais alto, o mais digno, para aplacar as cegas cóleras da Natureza a quem penetram os mistérios; que a bendita semente do exemplo era precisa no mundo, para não se colher só joio. Disseram-lhe ainda que a pátria apareceria mais alta tendo por pedestal o cadáver de um herói; que o seu audacioso e impávido coração de trinta anos era mais precioso imóvel e silencioso; que as suas fortes mãos de lutador, que domara e vencera os elementos e as forças más da Natureza, eram mais fortes na morte.
Mariazinha não percebeu nem tão-pouco disse nada. Encerrada em si mesma como num cofre selado, foi um túmulo fechado e mudo, onde as revoltas e os gritos, as censuras e as carícias iam despedaçar-se em vão.
À noite viam-na vaguear, horas e horas, sozinha, pelas ruas do jardim, sem se voltar, sem um gesto, sem um olhar de interesse pelas coisas que não via.