As Máscaras do Destino - Cap. 8: AS ORAÇÕES DE SOROR MARIA DA PUREZA Pág. 65 / 80

pela primeira vez e, encarando a mãe, com as lágrimas a correrem-lhe em fio pelas faces, balbuciou: «Coitadinha!»

Escolheram um convento de Toledo, onde a regra não era muito apertada nem muito severa. A mãe até tinha medo de a ver morrer no caminho. Levaram-na como quem acompanha uma filha morta ao túmulo onde há de ficar. E ela, perdida novamente na sua extática imobilidade de figurinha de cera, atravessou os fartos vales portugueses, os desolados campos de Castela, sem parecer ver nada à sua volta.

Chegou a Toledo numa manhã de chuva. A cidade, monástica e triste, parada na evolução dos séculos, tão curiosa com as suas ruas estreitas e tortuosas, os seus arcos, as suas escadinhas, o seu ar severo de monja, não lhe mereceu um olhar. Não a viu.

Ao separar-se da mãe, horas depois, repetiu apenas, a chorar, a mesma palavra que lhe viera aos lábios naquele dia em que soubera que entraria no convento: «Coitadinha!»

Quando as grandes portas se cerraram, pesadas e tristes, por detrás do vulto doloroso da mãe, Mariazinha, noiva-menina de um noivo-morto, olhou em volta e sorriu.

Todo o tempo que durou o seu noviciado, foi a mais obediente, a mais humilde, a mais submissa de todas. As mestras não tinham palavras para lhe elogiar a doçura, a docilidade; e era tão profunda a paz que no seu redor irradiava, que a própria superiora, severa e ríspida, esboçava um eflúvio de sorriso quando a via passar, branca e frágil, pelos longos corredores escuros. Foi como se num sombrio convento de Toledo tivesse entrado, pela primeira vez, um raio de sol de Portugal.

E a Mariazinha passava os dias a sorrir e a murmurar às vezes umas palavras sem nexo, uma estranha toada de oração que ninguém entendia. Na cerca, gostava de se sentar num banco, sob um dossel de vinha virgem que há muitos anos se abraçava ao tronco carcomido de uma acácia velha.





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