As Máscaras do Destino - Cap. 9: O SOBRENATURAL Pág. 75 / 80

Ah! O poder evocador de certas tardes, de certos momentos! A casa onde outrora, naquela noite, ardia na chaminé branca de neve o grande madeiro de azinho! Ouvi distintamente a voz longínqua e cansada de uma avó velhinha que, num crepúsculo cinzento de Inverno, fechava a porta que dava para o quintal, dizendo: “Vai cerrar-se a noite em água”, enquanto o riso da minha mãe ecoava na sala de jantar, onde punham a mesa para a consoada. “Vai cerrar-se a noite em água.” E, àquela frase, o madeiro de azinho crepitava mais alegremente na chaminé, o meu infantil egoísmo achava que era mais doce a sua luz e mais vivo o seu calor. Haveria chuva, frio e vento lá fora, pelos caminhos, mas depois da Missa do Galo haveria ali dentro, à chaminé, o madeiro de azinho a crepitar, e a meada de oiro e prata dos belos contos de fadas, que a avó sabia, desenrolar-se-ia numa milagrosa abundância, horas a fio.

«Vozes queridas, vozes apagadas e mortas, como eu vos ouvi naquela tarde de Dezembro!

«Era tal a minha tristeza e tão grande o meu desânimo que resolvi ir à quinta, ao tal solar, ver a rapariga. Assim fiz. Cheguei já bastante tarde. Escurecia. O sítio era lúgubre, uma cova húmida e frondosa que, à luz daquele crepúsculo e naquele estado de espírito, me pareceu sinistra. Ao fundo, mesmo ao fundo, a casa enorme de pedra escura, cercada de árvores enormes. Uma avenida muito comprida ia dar mesmo ao grande pátio, fechado por um amplo portão de ferro que uns molossos de granito, roídos de musgo, encimavam.

«O homem que me acompanhava, bisonho e triste, não me disse uma palavra desde a estação até à casa, que me mostrou com um gesto. A minha opressão, o meu mal-estar eram cada vez maiores. Lembrava-me viver um conto de Dickens. Tive vontade de voltar para trás, de correr até à estação, meter-me num comboio, e voltar para Lisboa, mas lá consegui dominar-me e entrei.





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