As Máscaras do Destino - Cap. 9: O SOBRENATURAL Pág. 79 / 80

Desci à casamata: nada! Tornei a subir e deitei-me. Os meus nervos eram como cordas de uma lira onde o pavor poisasse os dedos.

«Esperei nas trevas... frr... frr... o mesmo ramalhar de sedas... os mesmos passinhos leves... frr... frr... de um lado para o outro no quarto...

«De que estranhos mundos viriam, para me povoarem a solidão do quarto naquela noite de Natal, aqueles estranhos passos?... que alma envolveriam aquelas duras sedas a ramalhar?...

«E, toda a noite, os mesmos passos leves, na mesma correria... frr... frr...

Mário de Meneses, a voz entrecortada pela emoção, calou-se. Fez-se um pesado silêncio, que ninguém rompeu. Instantes depois, em voz mais firme, prosseguiu:

- De manhã, mal rompeu a aurora, corri para a estação sem me despedir de ninguém, e só respirei em Lisboa. Tive medo.

A chuva continuava a fustigar implacavelmente as vidraças. A noite, transida de frio, espreitava para dentro e queria entrar, a aquecer-se, quem sabe?... Soaram buzinas de autos na avenida deserta.

Mário de Meneses calou-se de vez, levantou-se, e foi até ao divã erguer, num gesto muito doce, uma cabeça loira que, na inconsciência do sono, resvalara quase até ao chão. Todos os outros dormiam também.

Mário de Meneses, então, sentindo, inflexível, o olhar verde fito nele, cravou pela sua vez os olhos, altivamente, no olhar da mulher de branco. Ela endireitou-se, num brusco sobressalto de rins como um jaguar, poisou o cigarro e, nuns passinhos leves, muito leves, as duras sedas brancas ramalhando... frr... frr... dirigiu-se para ele. Imóvel, o coração opresso, esperou quase sem respirar. A mulher passou-lhe os braços nus, braços frios de estátua, em volta do pescoço e, num súbito gesto de quem vai morder, esmagou a boca de encontro à sua boca num grande beijo de amor.





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