As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 166 / 339

Mostrei-lhe um calo que retirara com as minhas próprias mãos de um dedo polegar do pé de uma aia; tinha o tamanho de uma maçã de Kent e era tão duro que, quando do meu regresso a Inglaterra, o desbastei em forma de cálice e coloquei-o numa base de prata. Por fim, pedi-lhe que olhasse as calças de montar que trazia e que eram feitas de pele de rato.

Não tive êxito em lhe oferecer uma lembrança a não ser um dente de lacaio que eu percebera que examinava com grande curiosidade e pelo qual manifestara apreço. Aceitou-o com numerosas expressões de agradecimento, que excediam aquela insignificância. Fora removido por um dentista pouco hábil a um dos servidores de Glumdalclitch, que se queixava de dor de dentes mas que, afinal, estava tão são da boca como qualquer outra pessoa. Limpara-o e guardara-o na minha secretária; media um pé de comprimento e quatro polegadas de diâmetro.

O comandante ficou muito satisfeito com o meu sincero relato e disse-me que esperava que, ao regressar a Inglaterra, escrevesse um livro para relatar ao mundo as minhas experiências. Respondi-lhe que, na minha opinião, já estávamos saturados de livros de viagens e que, no presente, só algo de excepcional poderia merecer o interesse público; suspeitava, de resto, que alguns autores consultavam menos a verdade e mais a vaidade ou os interesses e o divertimento de leitores ignorantes. Acrescentei que a minha história conteria poucas coisas invulgares e muitos episódios sem interesse, desprovida de descrições ornamentais de estranhas plantas, árvores, aves e outros animais, ou de relatos de costumes bárbaros ou da idolatria de povos selvagens, descrições essas abundantes na maior parte dos escritores. Apesar disso, agradeci os seus bons propósitos e prometi-lhe que ia pensar no assunto.





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