As Viagens de Gulliver - Cap. 5: Capítulo III Pág. 177 / 339

CAPÍTULO II

Descrição dos caracteres e ideias dos laputienses. Relato da sua cultura. O rei e a corte. Acolhimento dispensado ao autor. Temores e preocupações dos habitantes. Retrato das mulheres.

Ao apear-me fui rodeado por uma multidão, mas os mais próximos pareciam os mais notáveis. Contemplavam-me com grandes e variadas demonstrações de espanto; e o meu assombro não era menor, pois nunca antes vira criaturas de forma, trajes e gostos tão singulares. Todos apresentavam a cabeça inclinada para a esquerda ou para a direita; um dos olhos girava para dentro e o outro para o zénite. O vestuário era adornado com desenhos de sóis, luas e estrelas, entrelaçados com violinos, flautas, harpas, trombetas, guitarras, clavicórdios e muitos outros instrumentos musicais desconhecidos na Europa. Via-os rodeados de lacaios, vestidos de libré, segurando na mão um galhardete de cabo curto rematado por uma bexiga inflada. Soube mais tarde que cada bexiga levava uma certa quantidade de ervilhas secas ou de pequenas pedras. Os lacaios golpeavam, de vez em quando, a boca e as orelhas dos amos, prática cujo significado não consegui então decifrar; parece que a mente desta gente está tão absorta em profunda especulação que não podem escutar ou falar com os outros se um agente externo não mantiver despertos os órgãos do ouvido e da fala; por tal motivo, as pessoas com meios têm sempre ao seu serviço um batedor (no idioma deles chama-se climenole) e não se ausentam ou fazem visitas sem que aquele os acompanhe. A missão deste servidor, quando duas ou mais pessoas estão reunidas, consiste em golpear com a bexiga a boca de quem vai falar e o ouvido direito daquele a quem o orador se dirige.





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