As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 274 / 339

A maioria fugira da prisão: nenhum se atrevia a regressar ao seu próprio país por temer a forca ou morrer de inanição no cárcere. Por uma razão ou por outra, viam-se constrangidos a procurar um meio de vida noutro lugar,»

Ao longo do meu relato, o meu amo interrompera-me para fazer numerosas observações. Fora forçado a utilizar inúmeros circunlóquios para descrever os diferentes crimes que tinham obrigado a maioria dos meus tripulantes a fugir do país. Conseguir isto levou-me a vários dias de explicações até fazer-me entender. Era-lhe absolutamente impossível perceber o porquê e a necessidade de praticar tais vícios. Para elucidá-lo esforcei-me em dar-lhe algumas noções sobre a ânsia de poder e de riqueza e sobre os terríveis efeitos da luxúria, intemperança, maldade e inveja. Vi-me obrigado a definir e a descrever cada vício, citando casos e apresentando exemplos.

Após isto, lançou-me um olhar espantado e indignado, próprio de alguém cuja imaginação tivesse recebido o choque de algo inaudito e inesperado. Como as palavras poder, governo, guerra, lei, castigo e muitas outras não tinham equivalente no seu idioma, constituiu uma dificuldade quase insuperável explicar ao meu amo o respectivo significado. Mas como era muito inteligente e muito dado à meditação e às palestras, conseguiu finalmente adquirir um conhecimento suficiente do que se pode esperar da natureza humana nas nossas nações, e pediu-me que lhe desse mais pormenores da região que chamamos Europa e, em especial, sobre a minha pátria.





Os capítulos deste livro