As Viagens de Gulliver - Cap. 2: Prefácio do primeiro editor Richard Sympson Pág. 6 / 339

Mas desde então descobri que os yahoos marinheiros são propensos, como os de terra, a confundir-se com as palavras; os segundos mudam-nas todos os anos. Pelo que recordo, em cada um dos meus regressos ao meu país, a forma de falar alterava-se, ao ponto de dificilmente os entender. E verifiquei quando um yahoo chegou de Londres para, por curiosidade, fazer uma visita a minha casa que não somos capazes de exprimir os nossos pensamentos de forma inteligível.

Se a crítica dos yahoos pudesse, de algum modo, afectar-me, muito fundamento teria para queixar-me de que alguns se atrevem a opinar que os meus livros são mero produto da minha própria imaginação; e chegaram 'mesmo a sugerir que os houyhnhnms e os yahoos são tão irreais como os habitantes da Utopia.

Devo, em verdade, confessar, no que respeita aos habitantes de Lilliput, Brobdingnag (assim deveria escrever-se esta palavra, e não Brobdingag, como erroneamente se faz) e Laputa; nunca chegou ao meu conhecimento que um yahoo seja tão presunçoso ao ponto de pôr em dúvida a sua existência ou os respectivos factos que relatei: a convicção da sua veracidade invade imediatamente o leitor. E existem menos aparências de probabilidades no meu relato dos houyhnhnms ou dos yahoos quando, no que respeita aos segundos, há muitos milhares nesta cidade que só se diferenciam dos seus néscios irmãos do país dos houyhnhnms por balbuciarem umas palavras ou não andarem nus?

Não escrevi procurando a sua aprovação mas para que se corrigissem. O aplauso universal de toda a raça terá para mim menos importância que o relincho dos dois degenerados houyhnhnms do meu estábulo. Com estes, apesar da sua evidente degeneração, ainda aprendo algumas virtudes, sem mácula de vício.

Atrevem-se estes miseráveis animais os yahoos a pensar que a minha degeneração chega ao ponto de defender a minha veracidade?





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