As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 64 / 339

Um prato de carne era um bom pedaço, e um barril de licor um trago razoável. O cordeiro deles fica a distância do nosso, mas o boi é excelente. Certa ocasião serviram-me um acém tão grande, que tive de dividi-lo em três pedaços; mas isto não era a situação vulgar. O meu pessoal ficava espantado por me ver também comer os ossos, tal como fazemos no meu país com as calhandras. Comia geralmente os patos e os perus cada um de uma só vez, e confesso que são superiores aos nossos. Podia enfiar no meu canivete vinte ou trinta das mas aves mais pequenas.

Um dia Sua Majestade Imperial, que estava informado do meu estilo de vida, manifestou o gosto, juntamente com a sua real consorte e os principezinhos filhos e filhas, de vir cear comigo. Quando chegaram, fi-los sentar em setiais régios à minha mesa, com os guardas à sua volta. Flimnap, o grande tesoureiro, estava presente com a sua condecoração branca, e observei que, com frequência, me olhava com semblante azedo, mas fingi não reparar; contudo, comi mais do que o normal para honrar o meu querido país e encher de admiração a corte. Tenho razões pessoais para crer que esta visita de Sua Majestade deu a Flimnap a oportunidade de falar mal de mim a seu amo. Aquele ministro fora sempre meu inimigo secreto, ainda que exteriormente procurasse aparentar o que não correspondia à sua natureza áspera. Informou o imperador das precárias condições em que se encontrava o Tesouro Público; que se via obrigado a contrair dívidas a elevados juros; que os títulos de Tesouro não podiam circular nove por cento abaixo do valor nominal; que Sua Majestade já gastara comigo mais de um milhão e meio de sprugs (a maior moeda de ouro deles, semelhante a uma lantejoula), e que, além disso, seria aconselhável que o imperador aproveitasse a primeira ocasião que tivesse para expulsar-me.





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