A Linha de Sombra - Cap. 7: V Pág. 114 / 155

Lá está tudo: estrelas, sol, mar, claridade, escuridão, espaço, a extensão da água; a imensa Obra dos Sete Dias, no interior da qual a humanidade parece ter aparecido a desacertar de modo espontâneo. Ou melhor, a ser seduzida. Tal qual eu fui seduzido para este lugar de comando medonho, perseguido pela morte...

À noite, no navio, o único lugar onde havia luz era nas lanternas da bitácula que iluminava a agulha, iluminando simultaneamente a sucessão ao leme dos homens que ainda sobravam; no resto do barco, encontrávamo-nos mergulhados em trevas, ou passeando no tombadilho, os homens deitados ao longo do convés. O seu número fora tão diminuído pela doença que não era possível continuar com o serviço dos quartos habituais. Os que ainda podiam mexer-se de pé, ficavam de serviço durante as vinte e quatro horas do dia, estendidos nas sombras do convés até se ouvir uma ordem pela minha voz que os fazia levantarem-se nas pernas enfraquecidas, pequeno grupo cambaleante, movendo-se com extrema paciência pelo navio, e deixando desprender-se apenas um ténue murmúrio no seu rasto, um segredo comum. Por isso, era com um rebate de remorso e piedade que me resolvia, a cada nova vez, a fazer ouvir a minha voz.

Depois, cerca das quatro da manhã, cintilava uma luz do lado da proa, na cozinha. Era Ransome, o infalível, com o seu coração pouco vigoroso, que permanecia imune ao mal dos outros, sereno e diligente, lá ia preparando o café para os homens. Em breve me trazia uma chávena ao tombadilho, e só então eu me consentia um momento de repouso, caindo na minha cadeira de viagem para algumas horas breves de sono autêntico. Não há dúvida: quando me apoiava no balaústre do tombadilho por uns instantes, a cair de cansaço, então dormia um pouco; mas dou a minha palavra de honra que o fazia sem reparar nisso, a não ser sob a forma dolorosa de certos estremeções convulsivos que parecia verificarem-se mesmo enquanto andava.





Os capítulos deste livro