A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 17 / 155

Também não precisava de lugar certo. Desfrutava de uma situação característica, própria. Era um perito como hei-de dizer? -, um perito em matéria de navegação difícil. Era parecer generalizado que ele conhecia melhor que ninguém neste mundo as zonas ainda não cartografadas do arquipélago. Devia possuir no cérebro um verdadeiro depósito de recifes rochosos, de posições de navio, de marcações lidas na agulha da bússola, de imagens de cabos de terra, de aspectos peculiares de litorais mal reconhecidos, de perfis de ilhas sem conta, desertas ou não. Qualquer navio com destino, por exemplo, a Palawan, ou a outro lugar dessa região, teria que levar necessariamente a bordo o capitão Giles, ou como comandante interino da viagem, ou no posto de «auxiliar do capitão». Contava-se que lhe era pago por uma rica firma de armadores chineses um subsídio permanente como retribuição destes serviços. De resto, ele estava sempre pronto a substituir qualquer oficial de bordo que pretendesse gozar alguns dias em terra. Não consta que algum dono de barco tivesse jamais posto objecções a arranjos deste género. De facto, parecia ser opinião assente no porto que o capitão Giles era tão bom como os melhores, ou até ligeiramente superior. Mas, de acordo com os critérios de Hamilton, não passava de um intruso. Tenho a certeza de que, para Hamilton, a palavra intruso generalizava o seu alcance de modo a incluir toda a nossa classe, embora tenha certos motivos para supor que ele, mentalmente, procedia apesar de tudo a certas distinções entre nós.

Não tentei meter conversa com o capitão Giles, com quem não tivera ainda ocasião de estar mais de duas vezes ao longo de toda a minha existência. Mas é claro que ele sabia quem eu era. Passado algum tempo, inclinando para mim a cabeça grande e reluzente, seria ele a interpelar-me, com os seus modos afáveis.





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