A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 33 / 155

«Porque é que não responde quando falam consigo?», perguntei-lhe com rudeza.

O homem encostou-se à ombreira da saída. Tinha um ar completamente infeliz. No seu todo, a natureza humana, receio bem que não seja lá muito perfeita. Não lhe faltam certas nódoas de fealdade. E surpreendi-me a vibrar de uma ira crescente, julgo que apenas por causa da minha presa ter um ar de tanta e tão pesada infelicidade. Miserável diabo!

Avancei direito a ele sem mais rodeios. «Soube que chegou esta manhã uma comunicação oficial da capitania para a Casa. Não é verdade?»

Mas ele, em lugar de me responder como seria muito natural, que me metesse na minha vida, começou a lamuriar-se num meio-tom sem vergonha. Não tinha conseguido achar-me em parte nenhuma durante aquela manhã. E não era justo esperar que me fosse procurar por toda a cidade.

«Quem é que lhe pediu uma coisa dessas?», exclamei eu.

E então vi de repente o sentido profundo das coisas e palavras cuja banalidade me desagradara e irritara tanto.

Disse-lhe que queria saber o que dizia a carta. A decisão da minha voz e da minha postura só parcialmente era fingida. Por vezes, sim, por vezes, a curiosidade pode tornar-se um sentimento feroz...

O despenseiro acoitou-se numa expressão de patetice amuada com a voz a entaramelar-se. Aquilo não era nada, murmurou, que pudesse interessar-me. Eu tinha-lhe dito que ia para a metrópole. E se ia para a metrópole, ele não percebia porque é que devia na mesma...

Estes argumentos dele eram suficientemente despropositados para serem também quase ofensivos. Ofensivos, entendamo-nos, para a inteligência do interlocutor.

Na região crepuscular que se situa entre a Juventude e a maturidade, e que era então a fase em que se encontrava o meu ser, somos de uma sensibilidade particular relativamente a este género de ofensas.





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