A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 36 / 155

De que trabalhos estaria ele a falar? Só me lembrava de ter estado a ser ludibriado e aborrecido durante uma hora, pela sua conversa a seguir ao tiffin. E era àquilo que ele chamava uma carga de trabalhos! Ali estava ele a olhar para mim com uma atitude de auto-satisfação que seria detestável em qualquer outra pessoa. Num ápice, então, como se a página de um livro se virasse revelando e tornando claro tudo o que se lera na anterior, compreendi que o caso possuía também outra face para além da simples ética. Mas não me mexi. O capitão Giles estava a perder u~ pouco. da sua paciência. Puxando uma baforada do cachimbo Virou costas às minhas irresoluções. Só que não era irresolução o que havia da minha parte. Ficara tão somente, se posso dizê-lo assim desorbitado em termos mentais. Mas logo que me convencia mim próprio de que o mundo envelhecido sem proveito, que provocava a minha insatisfação com a Vida, possuía qualquer coisa afinal como um lugar de comando ali mesmo ao meu alcance, recuperei a minha capacidade de movimentos.

Não é lá muito curto o caminho que vai da Casa dos Oficiais da Marinha Mercante até à capitania do porto, mas, levando na cabeça as palavras encantadas «comando de um navio», vi-me bruscamente no cais, como se tivesse sido arrebatado até lá num abrir e fechar de olhos, e ali estava à minha frente um portal de' pedra branca lavrada, ao cimo de uma escadaria de degraus baixos e igualmente brancos.

Todo aquele conjunto parecia escorregar rapidamente na minha direcção. A grande rada à direita não passava de uma tremulação azul, e a galeria de entrada, na semi-obscuridade e fresca, devorou-me de súbito quando saí da claridade e do calor, de que não me dera conta até ao momento em que entrei para dentro do edifício.





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