A Linha de Sombra - Cap. 4: II Pág. 51 / 155

Sobe para o coche, em perfeito silêncio, e é levada pelos cavalos para seu maior bem na vida.

O capitão Ellis (uma fada de espécie bastante feroz) tirara um lugar de comando de dentro de uma gaveta, de modo quase tao inesperado como numa história de fadas. Mas um lugar de comando é uma noção abstracta, e parecia-me como que uma «maravilha de segunda ordem derivada» até ao momento em que me veio ao espírito, num súbito clarão, que essa ideia implicava a existência real de um navio.

Um navio! O meu navio! Seria meu; mais completamente meu, através da minha posse e dos meus cuidados para com ele, do que qualquer outra coisa deste mundo; objecto da minha dedicação e da minha responsabilidade. Estava lá, o navio, à minha espera, sob uma influência mágica, incapacitado de se deslocar, de viver, de aceder livremente ao mundo (até ao momento em que eu lhe chegasse junto) como uma princesa encantada. O seu grito que me chamava viera ter comigo como se das nuvens. Nunca eu desconfiara da sua existência. Não tinha a menor ideia acerca do seu aspecto, mal lhe ouvira ainda articular o nome, e contudo encontrávamo-nos indissoluvelmente ligados por toda uma parte do nosso futuro comum, e iríamos Juntos ao fundo ou flutuaríamos ambos ao mesmo tempo! Um aceso repentino de exaltada impaciência fez-se sentir nas minhas velas, provocando-me uma sensação de ser tão intensa como nunca a experimentara ainda. Descobri então quanto em mim havia de homem do mar, no coração e na alma, e até, por assim dizer, fisicamente era um homem consagrado em exclusivo ao mar e aos navios; ao mar, único mundo que importa, e aos navios, prova real da força do temperamento, da coragem, da fidelidade... e do amor.

Atravessei um instante perfeito. E simultaneamente único.





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