A Linha de Sombra - Cap. 5: III Pág. 84 / 155

Aquele homem ali prostrado, quase sem forças para respirar, e vítima ao mesmo tempo de um assalto arrasador de medo, era irresistível. Para mais, achara como que por acaso as palavras mais certeiras. Ele e eu éramos ambos marinheiros. Aí estava! Tratava-se de um direito que ele podia justamente evocar diante de mim, porque eu não reconhecia outra família. Quanto ao argumento da mulher e do filho (um dia há-de ver), não tinha qualquer poder sobre mim. Soava-me aos ouvidos como algo simplesmente extravagante. Não me era possível conceber um direito mais forte e mais exigente do que o daquele navio, retardando-se no rio por força de complicações comerciais idiotas, como numa armadilha venenosa.

Mas eu quase conseguira pôr-me a andar dali para fora.

Para fora, para o mar. O mar... - que é puro, seguro e afável. Só mais três dias.

Esta ideia dava-me força e não me deixava por um momento, enquanto regressava ao navio. Na câmara dos oficiais, deu-me as boas vindas a voz do médico e as suas formas cheias seguiram-se à voz mergulhada no segundo camarote, a estibordo, onde estava montada a botica do navio em segurança, por cima do beliche.

Vendo que eu não me encontrava a bordo, disse o médico, dirigira-se para aí, para inspeccionar a carga de medicamentos, ligaduras, etc. Tudo estava completo e bem arrumado.

Agradeci-lhe; tinha pensado em pedir-lhe justamente que o fizesse, porque dentro de poucos dias, como era do seu conhecimento, íamos fazer-nos ao mar, onde terminariam por fim todas as nossas preocupações.

Escutou-me com a maior gravidade e sem me responder. Mas quando desabafei com ele a propósito de Burns, sentou-se ao meu lado e, descansando a mão no meu joelho, num gesto amigável, solicitou-me que reflectisse bem naquilo a que me ia arriscar.





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