Burns voltou a massacrar-me sem tréguas, renovando as suas súplicas. Respondi-lhe evasivamente e deixei-o como uma imagem viva do maior desespero. No outro dia, cheguei ao pé dele cheio de relutância, enquanto ele me atacava, acto contínuo, com uma voz muito mais forte e um número espantoso de argumentos. Apresentava a sua causa com uma espécie de força que era a da loucura, acabando a perguntar-me se eu queria ficar com a morte de um homem na consciência. Queria que eu lhe jurasse que não soltaria o pano sem ele.
Disse-lhe que, na verdade, tinha que obter em primeiro lugar uma opinião do médico. Ouvindo isto, ele começou aos gritos. O médico! Jamais! Isso era a sua sentença de morte.
Esgotou as forças com este esforço. De olhos fechados, continuava a divagar, em voz baixa. Dizia que, desde o princípio, eu lhe tinha ódio. O capitão anterior já o odiara também. Desejara a sua morte. Desejara a morte a toda a tripulação.
«Como é que o senhor quer continuar com aquele cadáver de maldade à proa? Também o senhor há-de ser caçado por ele», concluiu Burns, pestanejando com o olhar vítreo no vazio.
«Mas, senhor Burns», exclamei eu, sentindo-me extremamente perturbado, «que diabo me quer dizer agora com tudo isso?»
Ele pareceu cair em si, embora se encontrasse demasiado debilitado até mesmo para estremecer.
«Não sei», disse, esgotado. «Mas não vá perguntar nada ao médico, comandante. O senhor e eu somos homens do mar. Não lhe pergunte a ele, comandante. Talvez o senhor um dia tenha também uma mulher e um filho.»
E voltou a insistir para eu lhe garantir que o não ia deixar em terra. Tive a presença de espírito bastante para não lho prometer. Mas foi uma atitude dura que me pareceria criminosa mais tarde; realmente, eu tinha-me já resolvido.