Isolado de todo o mundo, o irmão de Henriqueta confiou a sua irmã os segredos do seu muito saber, e formou-lhe um espírito varonil, e inspirou-lhe uma ambição faminta de ciência.’
» Bem sabes, Carlos, que falo de mim, e não posso, nesta parte, engrinaldar-me de flores imodestas, se bem que não me faltariam depois espinhos que me desculpassem as vaidosas flores...
» Eu cheguei a ser o eco fiel dos talentos do meu irmão. Nossos pais não compreendiam as práticas literárias com que aligeirávamos as noites de Inverno; e, mesmo assim, folgavam de nos ouvir, e via-se-lhes nos olhos aquele rir de bondoso orgulho, que tanto inflama as vaidades da inteligência.
» Aos dezoito anos achei pequeno o horizonte da minha vida, e enfastiei-me da leitura, que mo fazia cada vez amesquinhar-se mais. Só com a experiência se conhece o quanto a literatura modifica a organização de uma mulher. Eu creio que a mulher, apurada na ciência das coisas pensa de um modo extraordinário na ciência das pessoas. O prisma das suas vistas penetrantes é belo, mas as lindas cambiantes do seu prisma são como as cores variegadas do arco-íris, que anuncia tempestade.
» Meu irmão lia-me os segredos do coração! Não é fácil mentir ao talento com as hipocrisias do talento. Compreendeu-me, teve dó de mim.
» Meu pai morreu, e minha mãe pediu à alma de meu pai que lhe alcançasse do Senhor uma vida longa para meu amparo. Ouviu-a Deus, porque eu vi um milagre na rápida convalescença com que minha mãe saiu de uma enfermidade de quatro anos.
» Eu vi um dia um homem no quarto de meu irmão, onde entrei como entrava sempre sem receio de encontrar um desconhecido. Quis retirar-me, e meu irmão chamou-me para me apresentar, pela primeira vez na sua vida, um homem.
» Este homem chama-se Vasco de Seabra.