Coisas que só eu sei - Cap. 5: V Pág. 24 / 51

» Não sei se por orgulho, se por acaso, meu irmão chamou a conversa ao campo da literatura. Falava-se em romances, em dramas, em estilos, em escolas, e não sei que outros assuntos ligeiros e graciosos que me cativaram o coração e a cabeça.

» Vasco falava bem, e revelava coisas que me não eram novas com estilo novo.

» Naquele homem, via-se o género aformoseado pela arte que só na sociedade se adquire. Em meu irmão faltava-lhe o relevo de estilo, que se lapida ao trato dos maus e dos bons. Bem sabes Carlos, que te digo uma verdade, sem pretensões de bas-bleu, que é de todas as misérias a mais lastimosa miséria das mulheres cultivadas.

» Vasco retirou-se, e eu quisera antes que ele se não retirasse.

» Disse-me meu irmão que aquele rapaz era uma inteligência superior, mas depravada pelos maus costumes. A razão por que ele viera a nossa casa era muito simples; encarregara-o seu pai de falar com meu irmão a respeito da remissão de uns foros.

» Vasco passou nesse dia por debaixo das minhas janelas: fixou-me, cortejou-me, corei, e não me atrevi a segui-lo com os olhos, mas segui-o com o coração. Que suprema miséria, Carlos! Que renúncia tão impensada faz uma mulher da sua tranquilidade.

» Voltou um quarto de hora depois: retirei-me, sem querer mostrar-lhe que o percebia; fiz-me distraída, por entre as cortinas, a contemplar a marcha das nuvens, e das nuvens descia um olhar precipitado sobre aquele indiferente que me fazia corar e sofrer. Viu-me, adivinhou-me, talvez, e cortejou-me ainda. Eu vi o gesto da cortesia, mas fingi-me e não lhe correspondi. Foi isto um heroísmo, não é verdade? Seria; mas eu tive remorsos, apenas ele desaparecera, de o tratar tão grosseiramente.

» Demorei-me nestas puerilidades, meu amigo, porque não há nada mais grato para nós que a recordação dos últimos instantes de ventura a que se prendem os primeiros instantes da desgraça.





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