Apesar da minha pouca idade, experimentava uma aversão total pela ideia de ir servir, como diziam (isto é, de ser criada), e disse à minha ama - era assim que lhe chamávamos - estar convencida de que conseguiria manter-me sem ir servir, desde que mo consentisse. Ensinara-me trabalhos de agulha e a fiar lã penteada, que é a principal indústria daquela cidade, e prometi-lhe que, se me deixasse ficar em sua casa, trabalharia para ela, e trabalharia muito, muito.
Quase todos os dias lhe repetia a minha promessa de trabalhar muito para ela e, em resumo, nada mais fazia que trabalhar e chorar todo o santo dia, o que penalizava tanto a boa e generosa mulher que, por fim, começou a inquietar-se por minha causa, pois gostava deveras de mim.
Um dia, ao entrar na sala onde nós, meninas pobrezinhas, trabalhávamos, sentou-se na minha frente, e não no seu lugar habitual, de mestra, como se desejasse observar-me e ver-me trabalhar. Lembro-me de que fazia qualquer coisa de que me encarregara - marcava umas camisas cuja confecção aceitara - e de que, passado um bocado, começou a conversar comigo.
- Patetinha, passas a vida a chorar - disse-me, pois nesse momento chorava. - Ora diz-me cá por que choras, sim?
- Porque vão levar-me e pôr-me a servir e eu não sei fazer trabalhos de casa.
- Embora não saibas fazer trabalhos de casa, como dizes, aprenderás com o tempo e, ao princípio, não te confiarão tarefas pesadas - tranquilizou-me.
- Confiarão, sim - redargui, pois nada me convencia. - Se eu não for capaz, bater-me-ão. As outras criadas hão-de bater-me, para eu trabalhar muito, e, como sou pequenina, não conseguirei. - E desatei outra vez a chorar, num destempero tal que não pude dizer mais nada.
A minha boa ama comoveu-se tanto com o meu desgosto que resolveu não me deixar ir servir por enquanto.
