Disse-me, por isso, que não chorasse mais, que falaria ao senhor prefeito e que só iria servir quando fosse mais crescida.
Mas nem assim me dei por satisfeita; a ideia de ir servir assustava-me de tal maneira que ficaria igualmente apavorada se me prometesse que só o faria aos 20 anos. Creio que passaria O resto dos anos a chorar, só por pensar que esse destino acabaria, um dia, por se cumprir.
Ao ver que nem a sua promessa me tranquilizava, irritou-se comigo e perguntou-me, zangada:
- Que mais queres? Não te disse que só irás servir quando fores mais crescida?
- Ai de mim.; - lamuriei -, mas mesmo assim irei!
- Mas que vem a ser isto? Endoideceste? Que queres tu ser, afinal? Uma fidalga?
- Sim - respondi, e de novo rompi em pranto.
A minha resposta provocou-lhe o riso à minha custa, como era de esperar.
- Pois não, senhora dona! - exclamou, troçando de mim, a velha dama. - Uma fidalga, evidentemente! Mas diz-me cá, como chegarás a ser fidalga? Com o trabalho das tuas mãos?
- Sim - respondi de novo, inocentemente.
- Mas que poderás ganhar com isso? - perguntou-me. - Que ganharás com o teu trabalho?
- Três dinheiros quando fiar e quatro dinheiros quando fizer costura simples.
- Pobre fidalga! - exclamou, outra vez a rir. - Para que te servirá isso?
- Servirá para me sustentar, se me deixar ficar consigo - respondi em tom tão suplicante que o coração da pobre mulher se enterneceu, como depois me diria.
- Mas isso não chegará para te sustentar e te vestir - replicou-me. - E quem comprará a roupa da fidalguinha? - inquiriu, sem deixar de sorrir.
- Nesse caso trabalharei ainda mais e dar-lhe-ei tudo quanto ganhar - afirmei.
- Pobre criança, o que ganhasses mal chegaria para a comida - exclamou.